5G no Brasil: Desafios no licenciamento para implantação de antenas
Municípios devem se adequar urgentemente às diretrizes da Lei Geral de Antenas, sob pena de não serem priorizados na implantação do 5G
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Embora o cenário para desenvolvimento do 5G no país seja promissor, inúmeros são os desafios para preparar a infraestrutura dos centros urbanos brasileiros para o recebimento da tecnologia 5G, sendo o principal deles a complexidade do licenciamento urbanístico para implantação de antenas nas Estações Rádio Base. É essencial que a legislação relacionada às antenas seja uniformizada, especialmente pelo fato de a tecnologia 5G demandar uma densidade muito maior de antenas por quilômetro quadrado em relação às tecnologias anteriores.
A Lei Geral de Antenas (Lei nº 13.116/2015) foi criada com o intuito de harmonizar os procedimentos para licenciamento e uso, e ocupação do solo por meio do estabelecimento de diretrizes e regras a serem observadas pelos municípios para o tratamento das infraestruturas de suporte. Entretanto, muitas diretrizes trazidas pela Lei Geral de Antenas ainda não foram absorvidas e adotadas pelos municípios, havendo, na prática, grande variação entre a legislação de cada município sobre o tema.
A dificuldade para a obtenção destas licenças materializa-se, por exemplo, no excesso de regras e de instâncias de aprovação, até na proibição de instalação dos equipamentos em determinadas regiões das cidades. Além de impactar negativamente a experiência dos usuários, tantas limitações acabam por prejudicar os próprios municípios, que deixam de receber investimentos em infraestrutura essencial e de arrecadar tributos que seriam gerados com a expansão dos serviços.
Em São Paulo, por exemplo, as antenas são consideradas edificações e, por isso, devem seguir as regras definidas no Código de Obras, que, juntamente com o Plano Diretor do Município, são os instrumentos responsáveis pela distribuição do espaço e organização das cidades.
Em geral, para que uma edificação seja considerada regular, devem ser obtidos, além das licenças ambientais eventualmente necessárias, o alvará de aprovação do projeto, o alvará de execução de obras, e o auto de conclusão de obras, também conhecido como “habite-se”. As denominações podem variar de acordo com cada município.
Ocorre que, desde a criação das normas atualmente aplicáveis na maioria dos municípios brasileiros, a tecnologia evoluiu muito, de modo que as legislações municipais acerca do tema se tornaram obsoletas. Atualmente, existem antenas menores do que uma caixa de sapato, que podem ser instaladas em postes, semáforos ou fachadas, sem a necessidade de obras de construção civil. Ainda assim, em parte dos municípios elas seguem as mesmas regras de licenciamento de uma torre de 100 metros de altura.
Enquanto alguns municípios exigem apenas a emissão das licenças relacionadas à construção das torres, outros exigem também a emissão de auto de vistoria do corpo de bombeiros (AVCB) e licença de funcionamento emitida pela prefeitura local, com prazos de emissão que variam de acordo com o município. Portanto, é essencial que tanto as operadoras como as torreiras estejam sempre atentas ao quanto estabelecido nas legislações municipais de cada localidade.
Os maiores prejudicados, no entanto, são os cidadãos que residem nas áreas periféricas, para os quais o sinal do celular representa verdadeira inclusão social. A atual pandemia de Covid-19 nos mostrou que as soluções digitais têm sido eficazes para enfrentar os desafios impostos pela crise, de modo que a inclusão digital, que deve ser ampliada pelo 5G, se mostra extremamente importante não apenas por questões econômicas, mas também por razões sociais.
Neste sentido, o Presidente da ANATEL enviou Carta Aberta às Autoridades Municipais Brasileiras solicitando a todos os Prefeitos e Vereadores uma reavaliação das suas respectivas legislações municipais a respeito da regulamentação da instalação de infraestruturas de telecomunicações em suas respectivas cidades, bem como dos procedimentos administrativos necessários para tal. Esta carta é incentivo à modernização das legislações municipais, visando a desburocratização dos procedimentos administrativos necessários para a instalação dessas infraestruturas e emissão das respectivas licenças necessárias à sua regular operação.
Em 04 de maio de 2021, surgiu também o Movimento Antene-se, por iniciativa da Abrintel (Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações), com o objetivo de desenvolver iniciativas para engajar e conscientizar autoridades municipais em relação aos entraves que as legislações locais representam para a ampliação da infraestrutura necessária para a instalação das antenas, bem como em relação à importância desta infraestrutura para o desenvolvimento econômico e social dos municípios.
A ideia é discutir com os municípios a alteração de legislações extremamente restritivas e a burocracia excessiva que resultam em ambiente pouco favorável ao desenvolvimento da tecnologia 5G. Mais do que isso, serão também apresentados a esses municípios exemplos e modelos de legislações modernas, com boas práticas e em linha com a Lei Geral de Antenas, para conscientizar os legisladores e gestores municipais sobre a relevância do tema.
Vale destacar que o Edital do 5G permite que as operadoras priorizem cidades que já tiverem modernizado sua legislação municipal, de modo que os estados e municípios que tiverem suas legislações alinhadas à legislação federal estarão mais propensos a receberem investimentos em infraestrutura de telecomunicações.
O Estado do Rio de Janeiro: pioneiro na modernização legislativa
O Estado do Rio de Janeiro saiu na frente e foi pioneiro na aprovação de legislação para a implementação da tecnologia 5G. A Lei nº 9.151/20 de 21 de dezembro de 2020 instituiu o “Programa de Estímulo à Implantação das Tecnologias de Conectividade Móvel” com o intuito criar ambiente favorável à instalação da tecnologia 5G no Estado, principalmente nas áreas periféricas, nas comunidades e na área rural.
Referido programa tem como finalidade, dentre outras coisas, estimular a modernização das legislações municipais, cooperar com os entes municipais para o alinhamento das legislações locais ao arcabouço legal e regulatório que tratam do tema, e desenvolver estratégias para modernizar, simplificar e dar celeridade aos processos de licenciamento das infraestruturas de telecomunicações de modo a estimular sua implantação e regularização, com vistas a atração de investimentos no Estado do Rio de Janeiro.
A implementação deste Programa se dará de diversas formas. São elas:
- realização de eventos com os legislativos municipais para divulgação dos impactos e ganhos advindos da implantação do 5G e definição de estratégias para fomentar a expansão da infraestrutura de telecomunicações;
- promoção de debates entre os vários interlocutores envolvidos na implantação do 5G;
- indicação de texto base aos executivos e legislativos municipais para o projeto de lei que trata da ocupação e uso. O texto base para projeto de lei constou como anexo à Lei nº 9.151/20 e servirá como um guia para os legisladores dos municípios, tendo sido subsidiado tecnicamente pela Abrintel.
Neste texto base sugere-se, por exemplo, que não estejam sujeitos ao licenciamento municipal, bastando a prévia comunicação ao órgão municipal responsável, a instalação de:
- Estação Transmissora de Radiocomunicação (ETR) Móvel;
- ETR em área internas ou por meio de compartilhamento de infraestrutura já licenciada;
- ETR de Pequeno Porte – aquela que apresenta dimensões físicas reduzidas e aptas a atender aos critérios de baixo impacto visual, tais como ETR cujos equipamentos sejam harmonizados, enterrados ou ocultados em obras de arte, mobiliário ou equipamentos urbanos e/ou instaladas em postes de energia ou postes de iluminação pública, estruturas de suporte de sinalização viária, camuflados ou harmonizados em fachadas de prédios, os de baixo impacto, os sustentáveis, os de estrutura leves e/ou postes harmonizados que agreguem os equipamentos da ETR em seu interior, ou cuja a instalação não dependa da construção civil de novas infraestruturas de suporte.
Abaixo, outras sugestões previstas no referido texto base:
- A autorização do órgão ambiental somente será necessária quando se tratar de instalação em Área de Preservação Permanente ou Unidade de Conservação, sendo que o processo de licenciamento ambiental ocorrerá de maneira integrada ao procedimento de licenciamento urbanístico, cujas autorizações serão expedidas mediante procedimento simplificado.
- O prazo para análise dos pedidos e outorga de alvará de construção e do certificado de conclusão de obra será de até 30 dias corridos, contados da data de apresentação dos requerimentos. Findo este prazo, se o órgão licenciador municipal não houver finalizado o processo de licenciamento, o interessado estará habilitado a construir, instalar e ceder sua infraestrutura de suporte, ressalvado o direito de fiscalização do cumprimento da conformidade das especificações constantes do seu projeto executivo de implantação pelo município.
- Eventual negativa na concessão do alvará de construção, da autorização ambiental ou do certificado de conclusão de obra deverá ser fundamentada e dela caberá recurso administrativo.
- Na hipótese de compartilhamento, fica dispensada a empresa compartilhante de requerer alvará de construção, da autorização ambiental e do certificado de conclusão de obra, nos casos em que a implantação da detentora já esteja devidamente regularizada.
Na esteira do que pretende o Estado do Rio de Janeiro com relação à legislação de seus municípios, alguns municípios como Santo André (SP) e Porto Alegre (RS) já conseguiram atualizar suas legislações municipais e hoje estão entre as cidades mais preparadas, sob o prisma legislativo, para receber a tecnologia 5G.
A cidade de São Paulo: corrida contra o tempo
Com o leilão do 5G previsto para ocorrer nos próximos meses, a capital São Paulo, maior cidade da América Latina, ainda não conta com uma legislação atualizada acerca do tema. Isso porque existe ainda hoje uma discussão judicial envolvendo a Lei Municipal nº 13.756 de 2004, que disciplina a instalação e o funcionamento de postes, torres, antenas, contêineres e demais equipamentos que compõem as Estações Rádio-Base, destinadas à operação de serviços de telecomunicações.
Em 2013, a Telcomp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas) propôs ação judicial questionando multa que a prefeitura de São Paulo cobrava, de até R$ 100.000 mensais por antena que não estivesse em conformidade com a referida lei. A Telcomp alegava, já naquela época, que as empresas de telefonia não conseguiam atender às regras previstas na Lei nº 13.756/2004 por serem incompatíveis com as novas tecnologias e com o tamanho da cidade de São Paulo. Dentre as exigências consideradas infundadas estão, por exemplo, que as estações rádio-base sejam instaladas em terrenos/imóveis com “habite-se”, em vias com dez metros de largura e a uma distância de 12 metros da via pública. Essas regras são um problema diante da escassez de terrenos com tais características na cidade de São Paulo.
A Telecomp obteve na Justiça uma liminar que garantiu o funcionamento das antenas por quase quatro anos. Em 2016, o caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, em novembro de 2020, ficou decidido que a legislação estava ultrapassada e inviabilizava uma cobertura adequada de rede móvel, especialmente nos seus bairros periféricos. Desde então, tanto a prefeitura quanto a Câmara Municipal de São Paulo têm ingressado com recursos para tentar protelar a confirmação da decisão do STF, alguns já rejeitados.
No contexto da pandemia de Covid-19, em agosto de 2020, a prefeitura de São Paulo publicou o Decreto nº 59.682 para regulamentar instalações de emergência e, no meio do texto, incluiu as mini-estações rádio-base (mini ERBs), que são estruturas primárias do 5G. Referido decreto permite que estes equipamentos sejam instalados diretamente em mobiliário urbano já existente, em postes de iluminação com cabos subterrâneos e postes multifuncionais, sem necessidade de prévio licenciamento, sendo suficiente o cadastramento eletrônico junto ao município.
A Câmara Municipal, por sua vez, tentou suspender o referido decreto com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), sob alegação de que a prefeitura de São Paulo não tem competência para legislar sobre telecomunicações, mas o PDL foi retirado de pauta em fevereiro de 2021.
Embora o decreto publicado pela prefeitura de São Paulo tenha sido comemorado pelo setor, ainda é necessária a publicação de uma legislação municipal acerca do tema, de modo a conferir segurança às operações, e estimulando, assim, maior investimento na cidade. Mesmo as mini ERBs, que podem ser instaladas no topo de prédios, precisam ter regulamentação bem definida para sua instalação, especialmente em áreas entendidas como patrimônio histórico da cidade assim como nas áreas de proteção ambiental.
Para mais informações sobre a tecnologia 5G, acompanhe a série especial ‘A nova era do 5G ‘