Agência Nacional de Mineração regulamenta direitos minerários em garantia
Oferecimento de direitos minerários como garantia em operações de financiamento é regulamentado pela Resolução 90/2021
A tão aguardada regulamentação do oferecimento de direitos minerários em garantia de operações de financiamento foi concluída pela Agência Nacional de Mineração (ANM), por meio da Resolução 90/2021, publicada no Diário Oficial da União de 24 de dezembro de 2021. As novas regras deverão entrar em vigor em 2 de março de 2022.
A constituição de garantia real sobre alguns direitos minerários já encontrava previsão na legislação (especialmente no artigo 55, parágrafo 1º do Código de Mineração) e vinha sendo realizada ao longo do tempo, tanto pelo extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) como pela ANM, mas ainda havia pontos importantes a serem disciplinados pela agência. Com a Resolução 90/2021, passa a existir maior detalhamento sobre o processo de averbação da garantia na ANM, a subsistência da garantia frente ao risco de renúncia do direito minerário, a obtenção de certidões que indiquem a oneração e, sobretudo, o mecanismo de excussão da garantia. Todos esses pontos trazem maior segurança a operações de financiamento no setor mineral.
A ressalva que se faz, contudo, é que a ANM não ampliou o rol de direitos minerários que poderiam ser objeto de garantia real e limitou-os apenas às concessões de lavra e os manifestos de mina. Com isso, empresas com direitos que ainda não tenham chegado à fase de lavra podem ter maiores dificuldades no oferecimento de garantias a financiadores. Da mesma forma, a agência poderia ter admitido a possibilidade de contratos de royalty e streaming, como forma de facilitar o acesso a recursos financeiros.
Constituição da garantia
A Resolução 90/2021 estabelece que a garantia real sobre concessões de lavra pode ser constituída por meio de instrumento público ou particular, a ser averbado perante a ANM. No caso de manifestos de mina, a garantia deve constar necessariamente de instrumento público.
Assim como em outros temas relacionados aos direitos minerários, também para a constituição de garantia o Protocolo Digital da ANM poderá ser empregado. A averbação da garantia deverá ser solicitada eletronicamente pelo titular do direito minerário ou pela instituição financeira, o que revela um avanço em relação à prática até então adotada.
Reproduzindo os requisitos do artigo 1.424 do Código Civil que disciplina os contratos de penhor, anticrese e hipoteca, a Resolução 90/2021 exige que o contrato de garantia sobre direitos minerários indique o valor do crédito, sua estimação ou valor máximo, o prazo para pagamento, a taxa de juros (se for o caso) e a identificação do direito minerário em questão. Mas a resolução foi além para exigir, ainda, que o contrato indique a finalidade da operação de financiamento, por exemplo, a captação de recursos para qualquer finalidade relacionada a um empreendimento minerário, incluindo sua instalação, expansão ou regularização; ou mesmo operações de crédito no âmbito do sistema financeiro nacional e operações de financiamento estruturado.
Empresas e agentes financiadores devem atentar para o cumprimento dessa exigência de identificação da operação de financiamento no contrato de garantia em questão, a fim de evitar questionamentos ou dificuldades de averbação na ANM.
Publicidade da garantia sobre direitos minerários
Ao contrário do que sucede com registros públicos, a Resolução 90/2021 prevê que o contrato de garantia sobre direitos minerários será considerado sigiloso. Não obstante, será possível a qualquer interessado obter certidão da ANM que indique a existência do direito real; os dados da dívida mencionados no parágrafo anterior; os nomes da instituição financiadora, do titular da garantia e do devedor (se distinto); além da data de constituição da garantia (averbação) e de baixa, se for o caso.
Proteção ao credor
A Resolução 90/2021 traz alguns mecanismos importantes de proteção ao credor. Na vigência da garantia (ou seja, entre a data da averbação e a data da baixa), o titular não poderá renunciar ao direito minerário dado em garantia. Além disso, o arrendamento total ou parcial do direito só será permitido com a anuência do credor. Em casos excepcionais, o credor ainda poderá praticar atos processuais com o objetivo de evitar o perecimento do direito minerário objeto de garantia.
Por outro lado, o titular permanece integralmente responsável pelo cumprimento das obrigações relacionadas ao direito minerário, inclusive sujeitando-se às sanções previstas na legislação, entre elas, a de caducidade. Atos que porventura comprometam a operação mineira e a continuidade do aproveitamento mineral, mesmo que previstos em contrato, não serão admitidos.
Um ponto importante acrescentado pela Resolução 90/2021 é a possibilidade de o credor ter acesso, mediante solicitação à ANM, a informações relacionadas à segurança do empreendimento, recolhimento de receitas públicas, pesquisa, aproveitamento e produção mineral durante a vigência da garantia. Essa possibilidade permitirá que o credor, de forma independente, tenha mais acesso às informações relacionadas ao empreendimento, independentemente da intermediação do titular do direito minerário.
Excussão da garantia
A Resolução 90/2021 prevê que, realizada a excussão da garantia, seja judicial ou extrajudicial, a efetiva transferência de titularidade do direito minerário dependerá da anuência e averbação perante a ANM. Para tanto, será analisado se o novo titular atende aos requisitos para ser titular de concessão de lavra ou manifesto de mina, inclusive quanto à forma empresarial e a disponibilidade de fundos ou financiamento para a execução do previsto no plano de aproveitamento econômico. A resolução não previu expressamente a possibilidade de cessão fiduciária de direitos minerários e foi expressa quanto à capacidade para se tornar titular do direito minerário, o que aparentemente limita o escopo e a possibilidade de adjudicação da garantia real.
É importante observar que o adquirente do direito minerário objeto de garantia (a resolução refere-se ao “adquirente da titularidade da garantia minerária”) aparentemente sucede o titular anterior, inclusive no que diz respeito débitos anteriores à transferência – podendo se tornar subsidiária ou solidariamente responsável pelo débito, conforme o caso – e quanto a processos administrativos em curso.
Limitação dos direitos minerários que podem ser dados em garantia
Apesar de todos os avanços acima dignos de nota, não é sem um quê de desapontamento que se constata que a ANM perdeu a oportunidade de ampliar o rol de direitos minerários sujeitos à constituição de garantia real. Pela Resolução 90/2021, apenas concessões de lavra e manifestos de mina podem ser objeto de garantia. Assim, a agência deixou de lado um amplo rol de direitos minerários que poderiam também ser objeto de garantia, como as autorizações de pesquisa e os direitos minerários na fase de transição da pesquisa para a lavra, que não raro representam o principal ativo de empresas de mineração em um momento em que buscam recursos financeiros para prosseguirem com seus projetos.
A alegação é a de que a limitação decorre do Parecer nº JT-05, da AdvocaciaGeral da União (AGU) e aprovado pelo presidente da República, tornando-se, portanto, vinculante no âmbito da administração pública federal. Ainda assim, ao limitar a possibilidade de constituição de garantia real sobre direitos minerários apenas na fase de lavra, o parecer em questão aplicou uma interpretação excessivamente literal ao artigo 55 do Código de Mineração, além de vislumbrar riscos que caberiam apenas aos financiadores avaliar, sem a interferência da União.
Esperava-se que, passados 12 anos de críticas a tal entendimento por várias vozes do setor mineral, a AGU – provocada pela ANM e por órgãos da União – pudesse rever seu entendimento e alterar o parecer. Lamentavelmente, tal revisão não aconteceu, acarretando a perda de uma oportunidade importantíssima para a desburocratização do setor mineral e para que houvesse maior estabilidade e segurança jurídica aos financiamentos a projetos do setor. Limitações como essa acarretam, invariavelmente, um custo financeiro mais elevado, além de estruturas contratuais mais complexas.
Da mesma forma, a Resolução 90/2021 também poderia ter viabilizado outros registros perante a ANM, como contratos de royalty e de streaming, que têm se revelado instrumentos relevantes de financiamento não convencional e bastante empregados no setor mineral. Ainda que os contratos de royalty e streaming não representem uma garantia real, a possibilidade de registro reduziria riscos e contribuiria para o acesso de empresas de mineração a recursos financeiros.
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