O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em maio de 2020, julgamento em repercussão geral — ou seja, para todos os contribuintes e Estados — que definiu o Estado competente para o recolhimento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias nas operações de importação (ICMS-importação).
A tese jurídica foi fixada da seguinte forma: “O sujeito ativo da obrigação tributária de ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado-membro no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio.”
Em síntese, as orientações definidas pelo STF são as seguintes:
- na importação por conta própria, a destinatária econômica coincide com a jurídica, uma vez que a importadora utiliza a mercadoria em sua cadeia produtiva;
- na importação por conta e ordem de terceiro, a destinatária jurídica é quem dá causa efetiva à operação de importação, ou seja, a parte contratante de prestação de serviço consistente na realização de despacho aduaneiro de mercadoria, em nome próprio, por parte da importadora contratada;
- na importação por conta própria, sob encomenda, a destinatária jurídica é a sociedade empresária importadora (trading company), pois é quem incorre no fato gerador do ICMS com o fito de posterior revenda, ainda que mediante acerto prévio, após o processo de internalização.
A definição do sujeito ativo do ICMS-importação nas modalidades indiretas (conta e ordem e por encomenda) gerou, ao longo dos anos, inúmeras autuações diante da indefinição quanto ao tema, especialmente diante da indefinição das seguintes terminologias: local do desembaraço aduaneiro; local do destino final da mercadoria; e local do efetivo contribuinte e destinatário final da mercadoria (importador versus contratante).
Neste julgamento, o STF afastou a interpretação de alguns Estados de que o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável pelo tributo, é apenas e necessariamente o da entrada física de importado.
Isso significa que o STF afastou a adoção do critério da entrada física de mercadorias para a definição da competência do ICMS importação, fundamento de diversos autos de infração por vários Estados. Assim, com a prevalência da adoção do critério de circulação de mercadorias que resulte na efetiva transferência da propriedade, o STF reconheceu a legalidade da circulação ficta de mercadorias, documentalmente registradas, quando acompanhadas do efetivo negócio jurídico.
Caso concreto
No caso concreto analisado, a empresa realizou a importação das mercadorias pelo Estado de São Paulo, mantendo-as fisicamente, para fins de desembaraço, no estabelecimento localizado neste Estado. Na sequência, houve a remessa para o estabelecimento localizado em Minas Gerais, para industrialização por encomenda, com posterior retorno para o estabelecimento paulista para fins de comercialização.
Assim, como as mercadorias foram importadas para a industrialização em Minas Gerais, ainda que o desembaraço tenha ocorrido em São Paulo, Minas Gerais é o competente para a exigência do ICMS-Importação, pois se perfaz como o Estado de destinação da mercadoria importada como matéria-prima para a produção de defensivos agrícolas.
Apesar de serem relevantes as definições em repercussão geral, pontuando o critério a ser adotado em cada uma das modalidades de importação, deve ser sopesado para a aplicação da decisão, a evolução dos negócios e dos normativos utilizados como base para as importações, inclusive considerando as recentes alterações no âmbito federal no que se refere às importações indiretas.
Comércio exterior: mudanças na legislação
Destaca-se que a Receita Federal do Brasil (“RFB”) editou a Instrução Normativa RFB nº 1861/2018, que consolidou as disposições sobre as modalidades indiretas de importação, revogando a Instrução Normativa RFB nº 634/2006, que até então dispunha sobre as regras aplicáveis à importação por encomenda.
A IN RFB 1861/2018 trouxe contornos mais abrangentes às regras aplicáveis às importações indiretas, destacando-se um cenário mais favorável para a discussão de alguns temas que geraram ao longo dos anos inúmeras autuações relacionadas à identificação do efetivo importador, especialmente no que tange à possibilidade do adiantamento de recursos na importação por encomenda.
Recentemente, em 15 de abril de 2020, a IN RFB 1861/2018 foi alterada pela Instrução Normativa RFB nº 1.937/2020, a qual novamente trouxe alterações a alguns dos requisitos aplicáveis à importação por encomenda, sendo a mais relevante relacionada ao adiantamento de recursos.
A nova redação que passou a vigorar em maio afeta as discussões quanto à caracterização das operações de importação e consequente definição do efetivo importador.
Disputas sobre recolhimento do ICMS-importação
Ademais, devem ser avaliados os efeitos da decisão nos acordos firmados entre os Estados para evitar o duplo recolhimento do ICMS-importação ou definir situações de recolhimento tributário a fim de amenizar os efeitos das conhecidas guerras fiscais.
Esse aspecto é relevante, pois diante das inúmeras autuações lavradas pelos Estados em decorrência das disputas pela competência para a cobrança do ICMS-importação, foram firmados protocolos pelos Estados, buscando compor essas situações e, assim, definir a competência para o recolhimento do ICMS-importação.
Portanto, a aplicação da decisão firmada pelo Supremo Tribunal Federal deve ser avaliada considerando o cenário fático específico frente aos pontos acima destacados.