STJ decide que doação de imóvel do devedor aos filhos não configura fraude contra credores
Interpretação é que quando residem na propriedade, considerada bem da família, não há destinação alterada, remanescendo impenhorável
Em recente julgamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a doação feita pelos pais aos filhos do imóvel em que residem não caracteriza fraude contra o credor, pois a propriedade – considerada bem de família – não teve sua destinação alterada, remanescendo impenhorável (REsp. 1.926.646).
O recurso analisado tem origem em ação de execução de título extrajudicial proposta em face de empresa devedora e de seu avalista. No curso do processo, o credor tomou conhecimento de que, após contrair a dívida, o avalista e sua esposa doaram bens imóveis de sua propriedade aos seus filhos, o que os teria levado à insolvência. Assim, o credor pediu a anulação das transferências ocorridas, alegando que as doações seriam fraudulentas, nos termos do art. 158 do Código Civil (que veda ao devedor insolvente a transferência gratuita de bens).
Tanto o juiz de primeiro grau, quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam que houve fraude e declararam a ineficácia das doações em relação ao credor. Contra essa decisão foram interpostos dois recursos especiais:
- Um pelo avalista, que sustentou que o Tribunal não examinou a impenhorabilidade de um dos bens doados (bem de família), nos termos art. 1º da Lei 8.009/1990; e
- Um pela esposa e filhos do avalista, que defenderam que a parte da mulher nos imóveis não poderia ser atingida pela execução, pois não seria devedora solidária.
Ambos os recursos foram providos, sob o fundamento de que a doação de bem de família aos filhos do casal não caracterizaria fraude contra credor, pois, como foi mantida a vocação de moradia da família independentemente da mudança de propriedade dos pais para os filhos, o imóvel continuaria a ser impenhorável.
Para a ministra Nancy Andrighi, relatora dos recursos, não estaria presente um dos requisitos da fraude, qual seja, o eventus damni, pois a doação do bem de família – que é impenhorável – não agrava a situação do devedor, tampouco lhe reduz à insolvência.
Sobre este ponto, destaca a relatora a existência de divergência jurisprudencial, sendo o entendimento da Segunda Seção do STJ no sentido de que “reconhecida a fraude à execução, deve ser afastada a impenhorabilidade do bem de família”, pois “em regra, o devedor que aliena, gratuita ou onerosamente, o único imóvel, onde reside com a família, está, ao mesmo tempo, dispondo daquela proteção legal, na medida em que seu comportamento evidencia que o bem não lhe serve mais à moradia ou subsistência”.
Apesar desse posicionamento, a ministra entendeu que, considerando as especificidades em questão, deveria prevalecer o defendido pela Primeira Seção do STJ, que assevera que “mesmo quando o devedor aliena o imóvel que lhe sirva de residência, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade porque imune aos efeitos da execução; caso reconhecida a invalidade do negócio, o imóvel voltaria à esfera patrimonial do devedor ainda como bem de família”.
No cotejo entre as duas teses firmadas, pondera a ministra ser necessário analisar cada situação particular, analisando-se o direito à moradia e o direito à tutela executiva do credor.
No caso julgado, como:
- A família permaneceu residindo no imóvel, não havendo alteração da finalidade do bem (que continuou sendo bem de família);
- À época da doação os filhos do casal eram menores de idade e, portanto, sequer poderiam aliená-lo sem autorização judicial; e
- Não houve a obtenção de proveito econômico quando da transferência do bem, restou comprovado que a destinação do bem de família permaneceu inalterada após a doação, a demonstrar a ausência de disposição fraudulenta, o que justificaria preservar a impenhorabilidade do imóvel.
A ministra relatora destacou que, ainda que não se aplicasse tal orientação acerca da inalterabilidade da destinação do bem, a proteção da impenhorabilidade remanesceria na espécie, pois a esposa do avalista nunca foi devedora em relação à dívida executada.
Isso porque, como ela apenas autorizou o oferecimento de garantia pessoal por seu cônjuge, nos termos do art. 1.647, inc. III, do Código Civil, a doação de sua quota-parte sobre o imóvel, correspondente à meação, não poderia ser tida por fraudulenta. Assim, reconhecida a impenhorabilidade sobre a meação da esposa do avalista, o STJ entendeu que a impenhorabilidade deveria ser estendida à totalidade do bem, nos termos da jurisprudência já pacificada.
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