Transação no Contencioso Relevante e Disseminada Controvérsia Jurídica
Uma análise sobre a modalidade de transação e de seu recente fruto, o Edital 11/2021, direcionado à controvérsia sobre os pagamentos efetuados a título de PLR
A Transação tributária é uma das atuais formas de solução de conflitos e, a partir da Lei nº 13.988/2020, foram estabelecidas três modalidades de transação no âmbito federal: Transação Tributária Individual, Transação por adesão no contencioso tributário de pequeno valor e Transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica.
Essa última modalidade é aplicável aos débitos que sejam objeto de litígios aduaneiros ou tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica, que ultrapassem os interesses subjetivos de determinada causa.
O presente artigo se dedica a fazer breve análise desta modalidade, bem como da Proposta de Transação Tributária do Edital nº 11/2021, dirigido às controvérsias que perfilam a tributação dos pagamentos de PLR efetuados pela Pessoa Jurídica aos seus colaboradores.
Regras para Transação por adesão no Contencioso Tributário de Relevante e Disseminada Controvérsia Jurídica
A Transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, prevista nos artigos 16 e seguintes da Lei nº 13.988/2020, permite que o Ministro da Economia identifique discussões judiciais disseminadas e relevantes e proponha aos contribuintes a adesão a acordo de transação para colocar fim a litígios, em edital que venha a ser publicado na imprensa oficial e nos sítios dos respectivos órgãos do Ministério da Economia.
Referido edital deverá contemplar os seguintes aspectos:
- Especificar de maneira objetiva as hipóteses fáticas e jurídicas aplicáveis à proposta de transação;
- Estabelecer que o contribuinte deve se conformar com a tese defendida pelo Fisco;
- Definir as condições e concessões para adesão, tais como: prazos de adesão, formas de pagamento e descontos, que podem chegar a até 50% do crédito tributário (inclusive do principal).
A legislação estabelece ainda que o contribuinte que aderir à transação deverá sujeitar-se, “em relação aos fatos geradores futuros ou não consumados”, ao entendimento dado pela administração tributária quanto ao litígio, exceto na hipótese em que tal entendimento venha a ser reputado inconstitucional ou ilegal em precedente repetitivo/persuasivo ou nas hipóteses do art. 19, da Lei nº 10.522/2002, tais como: temas que tenham sido objeto de parecer do Procurador Geral da Fazenda Nacional, temas julgados em controle de constitucionalidade concentrado, dispositivos que tenham tido a execução suspensa por Resolução do Senado Federal, dentre outros.
Por fim, dentre as regras gerais dessa modalidade de transação, há a previsão de que a solicitação de adesão deve abranger a totalidade de litígios relacionados à tese objeto da transação, ainda que não definitivamente julgado. Além disso, a solicitação, apesar de suspender a tramitação dos processos administrativos, não suspende a exigibilidade do crédito tributário.
Proposta de Transação Tributária do Edital n° 11/2021
Para apresentar a primeira proposta de Transação por Adesão no Contencioso Tributário de Relevante e Disseminada Controvérsia Jurídica, a Receita Federal do Brasil, em conjunto com a Fazenda Nacional, publicou o Edital n° 11/2021, estabelecendo a possibilidade de transação tributária para quitação de créditos tributários relativos às contribuições sociais incidentes sobre pagamentos realizados a título de PLR.
A tese eleita pelas autoridades fiscais está ligada à discussão quanto ao cumprimento dos requisitos previstos pela Lei nº 10.101/2000, que afastaria a incidência de contribuições sociais destinadas à Previdência Social, e contribuições destinadas a Terceiros (do Sistema S, por exemplo), conforme previsão da Lei n° 8.212/91, sobre os valores pagos a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) a empregados e administradores.
A Receita Federal, ao realizar a leitura dos dispositivos da referida lei, adota interpretação restritiva que desvirtua os critérios estabelecidos pela norma, o que culmina na descaracterização do pagamento de PLR. Tal prática resultou nos últimos anos na lavratura de diversos autos de infração, que têm como objeto a exigência daquelas contribuições sobre valores pagos a título de PLR.
A discussão na esfera administrativa se inclina para acolher a interpretação aplicada pelo Fisco. No entanto, é possível identificar no Judiciário precedentes que confrontam as conclusões da Fazenda, em respeito ao racional da Lei n° 10.101/2000, e vêm sinalizando maior apoio à tese defendida pelos contribuintes.
Em diversas decisões, os pleitos judiciais são resolvidos no sentido de que a formalização de um plano para distribuição dos lucros, com a presença de critérios objetivos e claros, de conhecimento prévio dos funcionários e convite ao Sindicato para participar em sua elaboração, é suficiente para afastar a exigência das contribuições. Esses requisitos independeriam do fato de a assinatura do instrumento ter se dado somente ao fim do período de avaliação, ou de não ter havido a participação efetiva de integrante do Sindicato por omissão da entidade.
Portanto, diante das inúmeras discussões sobre o tema e o significativo valor envolvido nos autos de infração, parece oportuna a escolha desse tema para figurar como o primeiro passível de transação de contencioso de relevante e disseminada controvérsia.
A transação tributária para débitos de PLR
Em complemento ao Edital nº 11/2021, a fim de elucidar e esclarecer aspectos centrais do programa, a Procuradoria da Fazenda Nacional emitiu o Parecer PGFN SEI nº 10.177/21/ME e, com base nesses normativos, em termos objetivos, a transação tributária para débitos de PLR pode ser assim resumida:
Débitos e controvérsias que podem ser objeto de transação
- Contribuições previdenciárias (patronal e SAT) e contribuições destinadas a terceiros (INCRA, SEBRAE, FNDE, SESC, SENAC etc.);
- Inscritos em dívida ativa e/ou objeto de ação judicial ou processo administrativo pendente de julgamento definitivo relativo às seguintes controvérsias:
- Interpretação dos requisitos da Lei n° 10.101/2000 para não incidência das contribuições sobre pagamento de PLR a empregados;
- Possibilidade jurídica de pagamento de PLR a diretores não empregados sem a incidência das contribuições;
Condições de pagamento
- Entrada de 5%, sem descontos, dívida em 5 parcelas mensais, aplicável a todas as modalidades;
- Redução de 50% do principal, multa e juros no parcelamento em até 7 meses;
- Redução de 40% do principal, multa e juros no parcelamento em até 31 meses;
- Redução de 30% do principal, multa e juros no parcelamento em até 55 meses.
Pontos de atenção na transação tributária
A transação tributária pode parecer interessante, principalmente, considerando a possibilidade de redução do débito principal e a inclinação jurisprudencial desfavorável na esfera administrativa. No entanto, o normativo também traz diversas condicionantes que merecem a devida atenção, por exemplo:
- Os depósitos eventualmente realizados para permitir a discussão judicial do débito com a suspensão da exigibilidade devem ser integralmente convertidos em renda em favor da União Federal e sem as reduções previstas no edital. Somente o saldo devedor poderá ser objeto da transação;
- O levantamento de quaisquer garantias ofertadas em processos judiciais está condicionado à quitação integral do débito, ou seja, somente ao fim do parcelamento realizado na transação é que o ativo dado em garantia poderá ser levantado, que ainda dependerá da inexistência de qualquer outro débito inscrito em dívida ativa da União, independentemente de sua natureza;
- A adesão implica a renúncia a todas as discussões relativas à mesma discussão jurídica de PLR, tanto judiciais quanto administrativas;
- O contribuinte poderá renunciar de forma parcial ao direito em processos que abarquem outros debates além dos requisitos da Lei n° 10.101/2000. A renúncia pode não atingir outras teses autônomas de PLR, como eventual discussão de decadência do lançamento, por exemplo;
- A transação deve atingir todos os débitos relacionados às discussões de PLR distribuída aos empregados e/ou de PLR distribuída aos diretores;
- A transação não tem por consequência a liberação dos gravames de arrolamento de bens, cautelar fiscal, garantias administrativas.
Somado a isso, ainda poderá surgir discussão sobre a constitucionalidade da permissão do edital de redução do débito tributário principal, uma vez que o artigo 195, § 11 da Constituição Federal, recentemente alterado pela Reforma da Previdência, passou a vedar a realização de remissão e anistia de contribuições previdenciárias.
Discreto interesse do contribuinte e expectativa para próximo tema
Assim, apesar da significativa redução dos valores proposta pela administração tributária, o que se viu na prática foi um discreto interesse do contribuinte em aderir ao referido programa, cujo prazo de adesão se encerrou no dia 31 de agosto de 2021.
Um dos possíveis motivos para esse desfecho do programa são as inúmeras dúvidas e incertezas quanto à adequada interpretação do Edital nº 11/2021 e das severas concessões que deveriam ser feitas pelo contribuinte para que pudesse aderir à transação.
Há que se aguardar agora o balanço oficial desse programa contemplando o número de transações realizadas e os valores envolvidos, que, em breve, deve ser divulgado pela Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional.
Por fim, aguardaremos ainda o próximo tema que será identificado pelas autoridades fiscais para propositura de uma nova transação de contencioso de relevante e disseminada jurisprudência, com a expectativa de que seja conferido ao contribuinte ainda mais transparência e segurança, para que haja maior interesse na formalização de tais acordos.
Para mais informações sobre o tema, acompanhe a série especial “Soluções alternativas de conflitos com o Fisco“.