Tratamento fiscal e contábil de benefícios fiscais de ICMS e os reflexos na tributação federal
Não há amparo jurídico que permita distinguir créditos presumidos de outras modalidades de benefícios fiscais
Conforme abordado nos artigos anteriores, no julgamento do EREsp nº 1.517.492, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS, sob o fundamento de que a tributação federal violaria o pacto federativo.
No caso concreto, discutia-se a incidência de IRPJ e CSLL sobre créditos presumidos de ICMS. Desde então, a União defende ser inviável afastar a tributação federal sobre benefícios fiscais distintos do crédito presumido, a exemplo da isenção e redução de base de cálculo do imposto.
O Fisco entende que os benefícios distintos do crédito presumido não acarretam registro contábil de ingresso de receita (benefício positivo), mas apenas redução de custo do contribuinte (benefício negativo). Por ser negativo, os valores das subvenções concedidas sob tais modalidades não aumentariam a base de cálculo dos tributos federais.
O raciocínio vem sendo acolhido pela 1ª e 2ª Turmas do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que não vêm permitindo o afastamento da tributação federal sobre benefícios fiscais de ICMS distintos do crédito presumido.
O entendimento da União não encontra amparo jurídico e há bons argumentos para se sustentar que a mesma orientação firmada pela 1ª Seção do STJ sobre créditos presumidos de ICMS deve ser aplicada a outras modalidades de benefícios fiscais.
Em primeiro lugar, o STJ não fez distinção em razão da modalidade do benefício fiscal. Para a 1ª Seção, o aumento patrimonial experimentado pelo contribuinte em razão do incentivo fiscal não é renda, mas renúncia de receita do Estado que não deve se sujeitar à tributação federal.
O contribuinte se beneficiará com aumento patrimonial independentemente da forma de concessão do benefício fiscal. Tomando-se como exemplo a redução de base de cálculo do imposto, é certo que se comparados os dois cenários da tributação (com e sem a redução de base de cálculo), a diferença da carga tributária corresponde à vantagem econômica experimentada.
O fato de o benefício fiscal se operacionalizar mediante à concessão de crédito ou redução de despesa deveria ser indiferente para fins de aferição do resultado econômico do contribuinte. Em ambos os cenários haverá vantagem econômica que representa a renúncia de receita do Estado e não deve ser tributada pela União, tal como entendeu a 1ª Seção do STJ.
Em segundo lugar, a própria lei indica que as subvenções impactam a receita bruta operacional, como se infere do artigo 44, IV da Lei nº 4.506/64. Igualmente, o enunciado nº 00 (R2) do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) define receita como “aumentos nos ativos, ou reduções nos passivos, que resultam em aumentos no patrimônio líquido”.
O CPC nº 07 enuncia que “a forma como a subvenção é recebida não influencia no método de contabilização a ser adotado” e sugere o registro da subvenção como “receita na demonstração do resultado”.
A Receita Federal do Brasil (RFB) já se manifestou sobre o registro de subvenções. Por meio da Solução de Consulta Cosit nº 15/2020, o Fisco externou sua orientação de que o registro dos benefícios fiscais não deve ocorrer de forma líquida na contabilidade. Pelo contrário, deve-se contrapor as receitas e despesas decorrentes da subvenção, o que permitiria registrar especificamente o aumento patrimonial experimentado pelo contribuinte em razão de benefícios negativos, como isenções e reduções de base de cálculo.
Ou seja, de um lado, não é correto o argumento fazendário de que os registros contábeis devem subordinar a tributação, quando não há qualquer distinção legal entre os créditos presumidos e outras formas de benefícios. De outro, há argumentos para sustentar que o aumento patrimonial do contribuinte em razão de benefícios negativos pode ser evidenciado contabilmente.
O STJ foi provocado a se manifestar sobre o tema recentemente. A 2ª Turma endossou a visão do Fisco no julgamento do REsp 1.968.755/PR, ao reconhecer a incidência de IRPJ e CSLL sobre isenções e reduções de base de cálculo de ICMS, sob o fundamento de que os benefícios negativos não acarretariam registro contábil de receita.
Já a 1ª Turma entendeu de forma distinta. Ao analisar o REsp nº 1.222.547/RS, o colegiado aplicou a orientação firmada no EREsp nº 1.517.492 para afastar o IRPJ e a CSLL sobre benefícios fiscais de diferimento e desoneração de correção monetária e de parte dos juros, sob o fundamento de que a tributação federal de tais incentivos também violaria o pacto federativo, não havendo diferença para a situação envolvendo a concessão de crédito presumido.
A controvérsia nos tribunais ainda é incipiente. Apesar disso, em recente julgamento, o TRF da 3ª Região afastou a distinção proposta pelo Fisco, entendendo que “crédito presumido e valor de redução da base de cálculo, configuram incentivos fiscais que, por identidade de razão jurídica, não podem ser tratados de forma diferenciada”.
Assim, a orientação do Fisco, encampada pelo TRF da 4ª Região e pela manifestação isolada da 2ª Turma do STJ, parece contrariar o entendimento firmado pela 1ª Seção do STJ no EREsp nº 1.517.492.
Para mais informações sobre os benefícios fiscais, acompanhe a série especial ‘A tributação federal de benefícios fiscais de ICMS.